sexta-feira, 22 de março de 2013

A Palhaça da Semana: Gardi Huntter

"A Palhaça da Semana", serão postagens que falarão sobre alguma palhaça que é referencia no meio da palhaçaria feminina. Para que nos possamos estudar juntas um pouco sobre essas palhaças que fazem história por aí! Se quiser colaborar mande um material sobre esta palhaça da semana.


E começo com uma grande inspiração a palhaça suíça Gardi Huntter!

Gardi Huntter

"Quem quer ser um palhaço deve criar seu próprio personagem, ele tem que encontrar algo de sua própria e que não é possível sem grandes crises. Se você é mulher, você ainda tem dúvidas fundamentais sobre se é mesmo possível. Você não tem os modelos que já provaram que ele funciona ".

A palhaça e atriz Gardi Hunter, nascida em 05 de Março de 1953, completou ao 21 anos sua formação clássica e teatro na Academia Drama Zurique. Como pesquisa na linguagem do palhaço fez um estágio de três anos na Itália com o palhaço Mario Gonzales e Nani Colombaioni.
No seu currículo, além das famosas peças que viajam o mundo "Joana Darpo" e "O Ponto", ela também fez papéis no cinema, é escritora com três livros infantis e um adulto e ganhou diversos prêmios por seu trabalho.

Abaixo compartilho trechos da entrevista feita pela Revista Anjos do Picadeiro 6 - Encontro Internacional de Palhaços, onde ela conta um pouco sobre sua história e de como foi essa trajetória de construção de sua palhaça.


Lili Curcio
palhaça do Grupo Seres de Luz Teatro,
Entrevista 
Gardi Hutter
palhaça e atriz sueca

Eu queria saber um pouquinho da sua história, da sua vida. Como chegou a transformar nessa grande palhaça que você é hoje?

- Eu fiz uma escola clássica de teatro na Suíça, o problema é que eu senti que tinha um talento cômico, mas no teatro não tem papel para mulher cômica, nem no teatro clássico, nem no teatro moderno. Então, durante minha formação na escola, trabalhei como atriz durante um ano no teatro e na televisão, mas era muito chato, muito cansativo porque não tinha nenhum papel que fosse realmente interessante para mim. Normalmente os papéis que se ofereciam pras mulheres nos teatros eram de personagens muitos doentes ou muito tristes. E as coisas que as pessoas falam no teatro são tão estupidas.Depois de um ano, ficou muito claro para mim que precisava inventar alguma coisa que gostasse de dizer. Fui para Itália, fiz dois meses de uma oficina na Itália, depois me apaixonei por um grupo de teatro de palhaço em Gênova, me apaixonei pelo homem e pelo palhaço, e fiquei na Itália durante três anos. Tentei me transformar numa palhaça, e foi muito difícil porque não tinha nenhum ídolo, não tinha nenhum exemplo e todo mundo me dizia: mulher é pra tragédia e homem é pra comédia. Fiquei com tanta raiva disso que resolvi usá-la pra ficar mais tempo me trabalhando. Todo palhaço tem um percurso muito grande pra se tronar palhaço, porque se não vira cópia, e pra achar um caminho real para ser um palhaço você realmente tem que ir caminhando no escuro, e é um caminho pessoal, não tem direção já pré-existente, ninguém pode te dizer é assim ou assado. Pra mulher é mais dificil ainda porque é como se tivesse que ter o Chaplin, o Arlequim ou Lecoq como exemplos e fica vazio, não tem um exemplo feminino. 
É claro que existem grandes mestres para mim, mas quando eu comecei, há 30 anos, parecia haver uma razão biológica pra mulher não ser cômica. Eu encontrei um mestre, um professor de uma forma diferente, foi o Nani Colombaioni, outro foi o Mário González, ele esta no Soleil, e outro também o Ferruccio Cainero. Em três anos fiquei tentando, fiz três produções e não funcionava, não era bom, não estava bom. O lado bom disso é que eu fui radical o suficiente para perceber que não estava bom. Aí o Mario González prôpos que eu fizesse Aristóteles, uma comédia dos três cavalheiros. É uma história sobre um ditador muito feio que tinha dois escravos que eram tratados de uma forma muito ruim, levam pancadas, e esses dois escravos ajudam um vendedor de salsicha a derrubar o ditador. Aí o vendedor de salsichas se transforma num novo ditador... É uma comédia grega. O Mario teve a ideia de um desses dois escravos ser uma mulher, todo mundo era muito deformado, e eu, enquanto mulher, ficava grávida de todo mundo até do mais pobre, miserável, e geralmente era desse, do mais nefasto, que o público ria. Ele não trocou nada nas palavras do roteiro, mas eu era uma mulher, essa foi a primeira vez que eu senti o meu caminho cômico, porque se fosse um papel que fosse escrito pra mulher, ela seria aquela que chorava, e não era isso que eu queria. A crítica e o público ficaram muito surpresos porque eu era muito redonda e muito ágil.Então esse foi o primeiro sucesso enquanto cômica. E depois eu tentei fazer outras coisas, mas eu senti que essa era a minha primeira forma. Eu não tinha a intenção de fazer isso, mas eu sentia no palco que essa  realmente funcionava, você não pode descrever, mas você sente. Depois de um ano eu pensei que precisava trabalhar sozinha. Normalmente histórias cômicas mostram figuras históricas transformadas em alguma coisa cômica. Eu me lembrei que não tinham mulheres historicamente famosas,cientistas, filosofas. Mas tinha Joana Darc, era uma mulher jovem, 17 anos, ouvia vozes dos anjos que diziam para ela salvar o rei, a rainha, e a minha ideia era fazer com o que anjo se endereçasse pro lugar errado. Eu era gorda demais pra botar as roupas de guerra, muito estabanada, essa era a chave pra minha história. No primeiro momento eu ouvia as vozes dos anjos. Depois eu achei um sistema dentro do espetáculo que eu não precisava mais das vozes, porque o publico entendia toda a história sem ter falas, sem palavras. Essa perfomance a gente fez em três semanas e meia, mas eu acho que nesse ponto eu já estava pronta porque eu fiquei três anos tentando, então eu estava realmente preparada. O primeiro espetáculo eu fiz num festival pequenininho nos arredores de Milão e funcionou tão bem que a gente ficou maravilhado! Três produtores perguntaram: quanto custa? Aí ficou mais fácil pra minha carreira porque todo mundo ficava surpreso, por eu ser uma mulher muito engraçada. Saiu em revistas, jornais... Geralmente num festival tinha 10 homens e uma mulher, então isso chamava a atenção pra mim, e o que antes era difícil se tornou uma vantagem. Então, faz 26 anos que eu faço a Joana, mas o palhaço eu acredito que cada vez mais eu me aprofundo e cada vez o espetáculo vai ficando melhor. Eu tenho seis espetáculos, três solos, e eu só trabalhei um ano no circo, sempre em teatro.

Uma coisa que eu acho importante é que o palhaço é palhaço, não importa se é mulher ou se é homem.

- A partir do princípio de cada palhaço é original, é um só, realmente não tem importância se é homem ou se é mulher, mas as mulheres também têm histórias, eu fiz uma lavadeira, uma bruxa, uma secretária, isso é o que faz parte do mundo feminino. Eu acho que a história da mulher não foi realmente contada ainda, a gente sabe a história dos homens, o que eles fizeram, que são heróis, mas das mulheres a gente praticamente não sabe. Mas isso é muito bom pra gente, porque  assim temos um plano, uma coisa enorme a fazer pela frente.

Qual você acha que é o objetivo do palhaço nesse mundo confuso?

- Eu tenho uma ideia política, mas não é a política do dia-a-dia, cotidiana. Eu acho que o palhaço esta num nível mais arcaico, não é uma coisa restrita ao país, nacional, eu não sou suíça, por exemplo. Nós somos muito arcaicos, nós somos muito seres humanos, com ciúmes, com riso, com choro, é mais sobre a condição humana que a gente fala. Há 26 anos, quando fiz meu primeiro espetáculo, o clima do mundo refletia a vontade de mudá-lo, de fazer um mundo melhor. Meu ultimo espetáculo é uma história totalmente diferente, fala mais dos dias de hoje. Minha personagem faz o ponto. O mundo dela é abaixo do palco, ela tem a roupa até a cintura, porque quando ela está dando o ponto o ator só vê essa parte dela. Ela é feliz dentro desse mundo, submundo. E é muito engraçada a forma que ela faz o café, a forma que ela faz o ovo. O drama é que eles vão fechar esse teatro e vão pra um muito maior e esquecem o ponto lá. Então, é realmente sobre essa mulher que esta na sombra, fora da sociedade, marginal. Isso é mais um tema de hoje, um tema atual, as pessoas perdem trabalho, as pessoas são excluídas e não fazem parte da sociedade. É uma história muito triste, mas é sempre engraçada. Nesse aspecto eu acho que é alguma coisa política. O palhaço pra mim é uma pessoa que consola porque ele é pior que todo mundo que esta na platéia. A tragédia do palhaço é enorme, ele é mais estúpido, mais triste, então a platéia respira aliviada, tem alguém alguém ali pior do que ela. Eu passo a ideia de ser Jesus carregando a cruz com sofrimento do mundo inteiro, mas não é sagrado, é pra rir. Mas é muito importante ser trágico para tocar as pessoas, você é tão drástico que você toca o cômico, você se transforma no cômico. Eu acho que só o grau mais alto de tragédia pode realmente se transformar em tragédia. Durante os ensaios eu falava: não, isso está trágico demais, é muito deprimente, coitada dessa mulher, ela tinha a urna das cinzas do marido dela, porque precisava de alguém para conversar, solidão total, mas funcionava. Eu acho que as pessoas tem que amar você, e eu acho que quando você é um perdedor, quando você batalha muito, quando você esta infeliz, você faz o contato com a platéia. Eu acho também que é uma estratégia de sobrevivência, de saber da tragédia, de saber realmente, fisicamente, e aí você vai através dela e no final você ganha, porque um grande perdedor, sempre é um vencedor. 

Fim.

Vídeos:


JEANNE D'ARPPO - TAPFERE HANNA


Die Schneiderin / The tailor / La sarta / La couturière


Site Oficial:


Bibliografia:
Revista Anjos do Picadeiro - Encontro Internacional de Palhaços 6, P. 159 à 165.
Links pesquisados:
http://clownelinguagem.blogspot.com.br/p/gardi-hutter.html
http://de.wikipedia.org/wiki/Gardi_Hutter#cite_note-1

sexta-feira, 8 de março de 2013

"Tem que ter muito peito pra fazer tanta graça."

Começo a provocar este espaço com o cartaz de divulgação do 11 Festival Internacional de Circo de Bogotá e com um trecho da entrevista de Pepa Plana* à Revista Anjos do Picadeiro 10.





Pepa:eu busco um olhar feminino porque eu não nasci homem. Há um código para homens e outro para mulheres, o que um conhece e outro não conhece: o que se passa na vida de um palhaço ou de uma palhaça são coisas diferentes que são vistas de modo diferente. Agora, cada palhaço é único. O código é também muito pessoal. Para mim, o trabalho é buscar a essência do máximo: o menor. Então o palhaça ou a palhaça é um poeta que, buscando o menor tem que encontrar o maior, o que possibilita uma comunicação não restrita a seu olhar e, aí sim, ele se torna universal. Quando o código é tão pequeno, tão essencial, muitas vezes dominado somente numa linguagem regional, o palhaço vai se referir à tribo, à comunidade, mas se consegue matar uma mosca sentindo todo o mundo, então ele se abre, e nós gostamos dos palhaços, porque os entendemos, porque seus universos são muitos pequenos, mas nos alcançam. Não pequenos na busca, mas pequenos no gesto de matar um mosca e estar denunciando todas as regras. Não temos que colocar no palhaço nome e sobrenome, uma regra de comportamento, um indicador, mas aprender que, matando uma mosca, o palhaço pode denunciar e eu creio que ele tem que denunciar as coisas que o incomodam e, com humor, com riso, pode mudar alguma coisa de lugar. E a graça é que quando se fala de humor, da história dos palhaços, da comicidade, de contadores de histórias, não existem mulheres nesta história. A maioria das mulheres trabalhavam no circo, e diferentemente das mulheres que nasciam com ele, sempre aparecem em cima do trapézio, de uma girafa, de um elefante. Porém, no momento em que aparecem os palhaços, essa porta estava fechada para as mulheres. De modo que, como também se crê, elas cuidavam das crianças, dos filhos, e como alguém que educa poderia fazer rir? Alguns críticos do princípio do século passado sustentam que nós mulheres não servimos para cômicas. Inclusive achavam e diziam que nós mulheres não podíamos ser, não que não teríamos talento. Talvez por sorte, isso mudou nos princípios dos anos 1970 com a família Fratellini, quando alguma cara branca podia também ser cara branca de mulher. Então, a história da comicidade feminina começa a partir dos anos 1970 e, o que é melhor, nós não seguimos modelos masculinos. Não. Mesmo que interprete as estruturas clássicas, a mulher não tem como deixar de ser feminina, a começar pelo corpo. Nós mulheres temos aprendido a rir dos estereótipos masculinos, porque se não ríssemos não teríamos o sentido do humor. Éramos tontas, fazíamos o papel de boba, da escrava e da sedutora, acabou. Três papéis. E no momento que nós mulheres aprendemos a ter humor e que o tenta descobrir que se pode rir com a mulher e não dela, estamos propondo outra parte do jogo. Se a metade da humanidade é composta por mulheres, então podemos apresentar um humor com outra cara. E estou convencida de que as mulheres tem um ponto de vista feminino na maneira de fazer humor e que se pode ser bonito conhecer isso. Se os homens riem com os outros, também podem rir com as mulheres.(...) Não somos iguais, os palhaços têm todas as diferenças. Apenas observando meninos e meninas brincar num parque, se vê como uma menina brinca com sua boneca, como o menino joga ou com um balão ou com uma corda ou com uma bola. Isso tem a ver, em partes, com a educação. Outra parte é da natureza. No que que tem a ver com a educação, é que às mulheres é permitido serem mais fracas. Chorar não tem nenhum problema,por exemplo. Quanto à natureza quando se é pequena se quer estar bonita, igual à mãe ou igual a uma mulher adulta. E ao menino não se permite chorar ou ser fraco. Não como uma menina... Então, o palhaço masculino gosta muito mais de mostrar a parte fraca. Para as mulheres é maravilhoso porque não há necessidade de mostrar sua parte fraca, porém, não temos nenhum pudor em mostrar nossa fragilidade. Quando se cria um grupo de palhaços e palhaças, normalmente a mulher tem que ser muito forte para ocupar o seu espaço. Porque as mulheres deixam espaço para o homem, estamos muito acostumadas a ser excluídas, então deixamos o homem, porque acreditamos que ele saiba mais. Diferentemente dos homens, que representam toda a história do clássico, nós mulheres estamos inventando nossa maneria de fazer rir. E não existem duas mulheres iguais fazendo palhaços. Em um casal, peça ao menino para mostrar como é um palhaço e o estereótipo esta claro nele, a menina tem que inventar um palhaço, porque não tem modelos para ela. Isso faz toda a diferença: nos inventamos para sermos palhaças.

*Pepa Plena - www.pepaplana.com - Espanha
Em 1998, Pepa Plena cria sua própria companhia com a intenção de fazer palhaçaria para um público adulto. Estreou o espetáculo "De Pe a Pa" ma Fira de Teatro de Tàrrega 98 e com o mesmo fez mais de duzentas apresentações em oito meses de temporada. Em 2000 estreia o espetáculo "Giulietta", baseado no clássico Romeu e Julieta, de Shakespeare, com o qual fica em cartaz e faz mais de trezentas apresentações. Foi ganhadora de vários prêmios, boas críticas e uma ótima acolhida do público com as apresentações desses dois espetáculos. Em 2004, pela primeira vez, monta um espetáculo sem palavras: "Hatzàrdia", participando da Fira del Circ Trapezi 04 e na Fira de Teatre de Tàrrega 04. Baseado neste espetáculo criou "L'Atzar", com o qual já fez mais de cem apresentações e esta em turnê internacional. É organizadora do Festival Internacional Pallasses D'Andorra, um festival de mulheres palhaças. 

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